Luiz Aquila, o pai da “Geração 80”
Ele tem apenas 41 anos mas é pai de cerca de 300 pessoas – algumas mesmo mais velhas que ele e todas, por coincidência, pintores. Seus “filhos” são ou foram seus alunos de pintura nesses últimos onze anos. Pai de grande parte do que se convencionou chamar de “Geração 80” (“nome de uma grande exposição, não de um movimento artístico”, explica), o pintor Luiz Aquila vive um momento alto de sua vida. Por um lado, vê frutificar um esforço e uma dedicação à pintura que começou quando tinha 15 anos – hoje, praticamente, quadro pintado é quadro vendido, no Brasil ou em Nova York. Por outro, vê muitos de seus “filhotes” já profissionais ou no caminho da profissionalização do pincel e tela e tinta. A partir de amanhã, Aquila estará expondo em São Paulo, na Galeria Luisa Strina (rua Padre João Manoel, 974 A) – telas grandes, enormes, cheias de cores, energia e talento.
FMC – Para começar pelo começo: como e quando você começou a pintar?
Luiz Aquila – Sempre estive muito ligado às coisas visuais, desde garoto. Sou filho do arquiteto e pintor Alcides da Rocha Miranda. Não só a experiência sensorial direta, como o debate sobre as artes plásticas sempre me interessaram muito. Desde a infância até os 15, 16 anos, quando me decidi por ser artista plástico. Não cheguei a fazer nenhuma faculdade, mas tive facilidade de compor meu currículo, porque me liguei ao meio de arte muito cedo. Com 16 anos fazia cursos livres – gravura, com Oswaldo Goeldi; desenho, com Tiziana Buonazola; pintura com Aluísio Carvão. Era um momento artístico muito rico, época do neoconcretismo, o abstrato-expressonismo chegando ao Brasil através do MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Quando vejo meu trabalho hoje, percebo que de tudo ficou um pouco: trato o plano, a superfície do retângulo com um rigor que, acho, deve vir da análise e reflexão dos pintores geométricos; ao mesmo tempo, a liberdade e a exacerbação da pintura abstrata-expressionista.
Na década de 60, a crítica – e não só no Brasil – decretou a morte da pintura. Ser artista plástico significava fazer vanguarda, esquecer a tinta e a tela. Como você atravessou essa década?
Aí criou-se o pintor resistente, (ele ri). Atravessei essa década pintando, acreditando que a pintura poderia e pode ser renovada, vital e local. Foi um período de vergonha da própria identidade. É o que eu chamo de atitude heróica da pintura brasileira. Com a obra, lida-se com a identidade em meio a uma comunidade que dela se envergonha. É uma posição – esta do pintor – que tanto pode ser de esclarecimento quanto de denúncia, o que significa que você pode ser amado ou odiado. Amado por quem consegue se esclarecer e odiado por quem se sente denunciado. O período da década de 60, de vergonha da nossa própria identidade, correspondeu a um período que se importou muito. O que saía nas revistas estrangeiras era refeito aqui de uma forma “brasileira”. Como no século passado quando os ornatos com folhas de acanto nos prédios viravam aqui folhas de café. Quer dizer: a idéia continuava estrangeira.
A pintura voltou com toda a força e parece que em quase todo o mundo. No Rio, por exemplo, nunca se pintou tanto. Como explica isso?
Teve um período em que nunca se escreveu e se leu tanta poesia no Rio de Janeiro. Não se pode reduzir essas coisas a modismos – ainda que existam muitos que façam arte por diletantismo. Boa parte faz pelo próprio ofício de fazer – e ficam, ficaram, estão aí. Havia um interesse pela rearticulação, reativação da palavra, sua redescoberta afetiva – era poesia e não ensaio que se escrevia. Agora está havendo um interesse grande pela pintura, talvez devido a uma rearticulação e reativação do emocional, da carga afetiva do fato visual.
Quando você começou a dar aulas?
Na Universidade de Brasília, lecionei composição e desenho na Faculdade de Arquitetura, de 1968 a 1972. Antes, de 1965 a 68, eu havia morado em Paris, Lisboa, Londres. Em 1974, depois de uma temporada em Petrópolis, voltei à Inglaterra, onde trabalhei com litografia. Já em Petrópolis, pensava numa maneira de dar aulas e pintar ao mesmo tempo. Na universidade eu seguia um programa, o que me deixava frustrado. Em 1977, fui coordenar o setor de artes plásticas de um projeto da Unesco, o Centro de Criatividade, de novo em Brasília. Como eu era coordenador, tive liberdade de dar aula como quisesse. Trabalhei mais em cima do estímulo da percepção. Foi quando me dei conta que queria mesmo era dar aulas de pintura.
E a experiência aqui no Rio?
Em 1979, quando terminou o projeto da Unesco, a convite de Rubem Breitman, diretor da Escola de Artes Visuais (Parque Lage), com outros colegas conseguimos montar um “aparelho” de pintura, o foco inicial para o avanço da pintura como um processo vivo. Naquela época, a pintura ainda era “uma coisa esquisita”. A Bienal de Veneza de 1979 foi a primeira exposição internacional para onde o Brasil enviou pinturas da minha geração – eu também participei – porque até então a arte brasileira “oficial” era a arte conceitual ou neo-dada, isto é , meio pop.
Quantos alunos de pintura você teve até hoje?
Entre o Parque Lage e o MAM, cerca de 300, sendo que uns 30 estão engajados e envolvidos profissionalmente, “professando” a pintura como preocupação principal, mesmo que tenham outras ocupações profissionais.
A chamada Geração 80 é fruto deste trabalho todo?
A exposição “Geração 80”, sim, creio ser conseqüência deste trabalho, meu e de outros colegas. Mas não vejo a Geração 80 como um movimento artístico. Os pontos de vista deles não são às vezes sequer semelhantes entre si. E nem são da mesma geração, já que tem gente de 19 a 50 anos. A articulação das diversas peças da exposição que houve no Parque Lage resultou numa obra em si mesma – a possibilidade de interferir num espaço arquitetônico já existente, reações e respostas a esse espaço arquitetônico. Foi um acontecimento, retomando a comparação com a época dos poetas, como os “aprontos” que a Nuvem Cigana costumava fazer.
Qual a pergunta que você faria a você mesmo?
Pergunta a mim mesmo? Não sei. Bem, acho que a arte é um bem social. Isso não é um chavão pra mim, é uma realidade. No entanto, a procura de identidade numa sociedade como a nossa parece ser um luxo, devido à falta de tempo e de dinheiro. Mas me pergunto como essa integração maior poderia se dar e qual a participação dos artistas plásticos nesse processo. Parece um lugar-comum falar em necessidade da arte, mas esta necessidade existe. Lugar-comum maior é falar em inutilidade da arte – como o sistema faz, todos os dias, na prática.
Texto de Flávio Moreira da Costa publicado na Folha de São Paulo em 8 de outubro de 1984.
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