Um desenhista acende uma luz sobre seis poetas
Como juntar palavra e imagem, como integrar o verso ao visual?Como tratar um poema? Explicando-o graficamente ou iluminando-o, transformando-o em clima e sensação visual? Estas perguntas todas se colocam diante do trabalho de Luiz Aquila da Rocha Miranda, que reuniu textos de Lélia Coelho Frota, Afonso Henriques Neto, Eudoro Augusto, Francisco Alvim, Leonardo Froes, Fausto Alvim e, a partir deles, fez a série de oito desenhos expostos na Livraria Muro de Ipanema.
Para mim chega./Seus cães policiais não vão mais farejar o meu jardim/nem sacudir as pulgas no meu tapete voador./Nunca mais vou medir os dias/nem as pesadas noites/pela batida de um coração que apodrece. (“Mamãe”, de Eudoro Augusto)
A idéia do trabalho nasceu para Luiz Aquila da vontade de juntar seus amigos poetas, dispersos, numa única atividade. Com Afonso e Eudoro, há muito ele trabalhava junto, desde o livro “Ladrão de Tenerife”, de 1972. Com os outros ele tinha empatia suficiente para tentar a aventura. E qual foi a postura do artista plástico? Aquila explica:
- Eu quis iluminar os poemas, no sentido de iluminura, no sentido de transpassá-los, vivê-los e integrá-los na página. Não parti das referências visuais que aparecem no texto, isto seria fácil, seria a ilustração/explicação.Tentei ir mais fundo: “ O que levou a escrever aquilo?” E desenhava a partir daí.Tentei dar uma resposta visual a um estímulo emocional que a leitura dos poemas provocou em mim. Estou dizendo coisas peculiares a cada um deles, mas há sempre o que não dá para dizer, o indizível.
E qual foi a reação dos poetas?Diante dos desenhos sem identificação, Leonardo Froes, olhou, olhou e disse: “Ah, este é muito melhor” Era o desenho da sua própria poesia.
-Ele acendeu uma luz diferente nos poemas da gente - diz Lélia Coelho Frota. - E a gente pode rever o próprio trabalho, com o elemento surpresa dado pela mão do artista. É uma tentativa de romper o isolamento.
“Oferece em segredo/pública/para nenhum baile/o coração exposto” (“Camélia” de Lélia Coelho Frota)
- A poesia é feita no isolamento – continua ela - depois transita. Esta idéia de que a poesia deve ser comunicação de massa é absurda. A gente fala para poucos, e esta palavra se espalha por si mesma, atingindo muitos.
Afonso: “Uma nação toda de poetas é a grande utopia. Mas seria ótimo, né?”
Aquila revela que, a partir do trabalho, ficou mais arguto para a parte formal da poesia. “Descobri que Lélia é capaz de falar de violência com uma linguagem delicada, coisa que não sabia. Leonardo Froes, um poeta voltado para a roça, eu via antes como um colírio. Procurando a essência dele, “percebi uma coisa tremendamente angustiada, densa, e procurei traduzir isto”.
Eudoro Augusto explica que, enquanto estudou teoria e ensinou literatura, não conseguiu achar sua saída poética. -A partir do momento em que deixei de lado o conceito, encontrei meu caminho.Quero fazer poesia relacionada com o cotidiano, com a minha vida e a da minha geração.Tenho procurado me despojar da postura literária para assumir a postura poética no sentido mais amplo.
Afonso: “Muitas vezes um poeta é um verso só. Às vezes basta isto para ele ser ele mesmo. O romancista é o romance. A poesia é um relâmpago que ilumina todo o caminho”.
Lélia: “ Eu acho que os poetas querem é estar cada vez mais apaixonados por tudo. Dentro e fora do verso”.
Afonso: “A cobrança política para cima da poesia é loucura. A vida é uma outra coisa”.
Eudoro: “Desde 1950 nada acontecia na poesia brasileira. Em 75, curiosamente depois da crise de petróleo de 74, houve um grande reboliço. Agora, perto de outra crise, estamos vivendo um outro reboliço poético”.
Afonso: “A poesia tem de ser o sangue da pessoa. É preciso despir a camisa-de-força, ter palavras circulando nas veias”.
Eudoro: “Para mim, o que resume a poesia é o título de um romance de Camilo Castelo Branco: “Cabeça, coração, estômago”. Do equilíbrio destes três é que nasce o bom poema.”
Muito inspirados, enquanto a tarde cai sobre o bar, os três poetas e o artista plástico vão compondo entre risos, como um quebra-cabeça, a frase que finalizaria a reportagem:
-A poesia é indefinível, impossível de colocar na gaiola ou no castelo. O poeta fugiu do castelo, se mandou pela porta dos fundos, tentou voltar pela frente e foi barrado pelo porteiro.
(Fato parecido aconteceu com Verlaine que, mal-vestido, foi barrado pelo porteiro numa conferência que deveria fazer em Amsterdam. O público ficou esperando em vão e, furioso, o poeta voltou para Paris).
“Engole o peixe com a espinha/e tocarás a guelra de Deus/aprende todas as palavras/antes de resumi-las a Uma/ser infinitas palavras/não precisar de Nenhuma” (Verso de Afonso Henriques).
O Globo 26 de dezembro de 1979
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